Este site é resultado do processo de organização e digitalização do acervo do indigenista Antonio João de Jesus, que tem como objetivo resguardar a memória desse profissional, incentivando outros profissionais a fazerem o compartilhamento de documentos audiovisuais importantes para a história indígena do País. O acervo foi construído através do projeto ACERVO INDIGENISTA – MANUTENÇÃO E ORGANIZAÇÃO, aprovado no Edital de Seleção Pública Lei Paulo Gustavo 001/2023/SMCEL/FMC GAMBIRA CULTURAL – MULTILINGUAGENS – CATEGORIA CULTURAS NEGRAS, INDÍGENAS E DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS EM TERRITÓRIO BRASILEIRO – AÇÃO COLETIVA – POVOS ORIGINÁRIOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS INDÍGENAS. Devido ao seu valor de memória, também se tornou um ponto de cultura.
Nascido em Cuiabá, MT em 1948, é indigenista e viveu por muitos anos com diferentes povos indígenas do Brasil, até se aposentar na Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá, onde reside atualmente.
Exerceu diversas atividades de chefia: no Posto Indígena São João-Reserva Kadiwéu/Porto Murtinho/MS; no Posto Indígena Umutina/Barra dos Bugres/MT; na Reserva Tereza Cristina, PI. Gomes Carneiro/MT; (esses Postos Indígenas administrados pelos Projetos Agropecuários do Programa POLONOROESTE); Implantou e administrou a Ajuda Autônoma de Araguaína/FUNAI/TO onde participou das inspeções da implantação do Convênio FUNAI/Cia. Vale do Rio Doce do “Projeto Grande Karajá”, administrando esse convênio para os povos da região do Norte do estado do Tocantins, em 1966.
No Museu Rondon: Participou da criação do Núcleo de Arqueologia do museu Rondon/UFMT, em 1987, inclusive criando seu “logotipo”; participou do Projeto de Recadastramento dos Sítios Arqueológicos de MT Museu Rondon/UFMT/IPHAN; participou da montagem da I Mostra de Arte Pré-Histórica de Mato Grosso IPHAN/Museu Rondon/Coordenação de Cultura/UFMT, 1988; implantou em 1988 o Projeto Museu Escola, criado pelo historiador e indigenista Idevar Sardinha; participou de vários seminários, palestras e projetos de pesquisas, tendo sido aprovados dois projetos de sua autoria como o “Arte Índia um Estudo Comparativo” e “Arte Índia – Ociosidade ou Sobrevivência”; participação ativa no “Projeto Bororo Vive” e na pesquisa de campo para a edição do disco “Bororo Vive” e do audiovisual do mesmo Projeto; Participação na criação do “Programa de Índio” da TV UNIVERSIDADE/UFMT; Criação do Projeto Vídeo Maloca; Catalogação, cadastro e colaboração na informatização do Acervo de Cultura Material do Museu
Rondon; Criação e Implantação da Reserva Técnica do Museu Rondon; Montagem da Mostra para o Festival Mundial de Aves, 1993(Birdlifeinternational- WORLD BIRDWATCH 9-10 out. 1993) realização: IBDep. de Biologia e Zoologia, PROACE/MUSEU RONDON/EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS/IBAMA-MT/MACP-UFMT;
Organizou a I e II “Mostra Fotográfica do Museu Rondon” intitulada “Os Índios Eram…”, com a II Mostra foi agraciada com o Prêmio “Troféu a Crítica Mérito Rondon” na categoria “Eventos Culturais, Mostra Fotográfica”, 2001; Criação, coordenação e orientação do “Catálogo da Videoteca do Museu Rondon/ 2006; Artes Plásticas- Pinturas e Ilustrações: Participação em diversas exposições coletivas e individuais; criação do Projeto “Cuiabanada Movimento de Artes” com apoio do SESC/Cuiabá/MT e do SESC nacional a Mostra Cuiabanada percorreu várias capitais do Brasil; fez diversas ilustrações para jornais e livros; produziu “charges” para a Mostra de Arqueologia da Fundação Cultural de MT. Textos e Artigos: Escreveu textos para jornais de Cuiabá/MT e um artigo para o livro Dossiê – Índios de Mato Grosso produziu dois roteiros para vídeo do Museu Várias Rondon.
Leia o capítulo sobre o indigenista, escrito pela Professora Doutora Maria de Fátima Roberto – “Um indigenista Etnógrafo”
INDIGENISMO E EDUCAÇÃO
Aly Orellana
Pertence ao povo Guarani (Avá)
Doutor em Educação pela PUC/SP
O indigenismo é uma prática antropológica voltada para o estudo e a valorização das culturas indígenas e o questionamento dos mecanismos de discriminação e etnocentrismo perpetrados contra os povos indígenas. O Indigenista realiza atividades de coleta, seleção e tratamento de dados e informações especializadas; orientação e controle de processos voltados à proteção e à defesa dos povos indígenas; Acompanhamento e fiscalização das ações desenvolvidas em terras indígenas ou que afetem direta ou indiretamente os povos originários e seus territórios. Faz a interlocução com os órgãos públicos e a sociedade envolvente, ecoando as necessidades das populações indígenas.
Muitos dedicaram suas vidas à causa indígena, lutando como aliados na resistência indígena e, em muitos casos, entrelaçando uma vida particular e profissional. Eles são portadores de muitos registros e vivências junto a populações indígenas, acumuladas ao longo de suas trajetórias profissionais. Apesar do papel fundamental desenvolvido por esses assuntos históricos para a implementação das políticas indigenistas, ainda é tímida a produção de literatura que destaca o protagonismo e a contribuição dos indigenistas para o grande público. É necessário criar mais canais de divulgação e socialização dessas histórias e conhecimentos.
E onde estão guardadas essas memórias? esses arquivos materiais e imateriais não podem perder-se no tempo. Hoje, com o avanço da tecnologia, além do registro da mente humana, contamos com muitos recursos digitais para guardar essas memórias. Acreditamos no caráter pedagógico de que esses acervos possam desempenhar na educação e letramento étnico-racial da sociedade brasileira, que ainda precisa e cuidado de fontes de pesquisas que ensinem a história e a diversidade cultural dos povos indígenas de uma maneira mais condizente com a realidade atual desses povos apresentados.
Nas escolas, ainda predominam entre alunos e educadores visões estereotipadas dos povos indígenas, que oscilam entre uma concepção romântica de um indígena ingênuo e selvagem; e por outro lado de um indígena bárbaro ou incomum; em outras palavras, como um empecilho para o progresso da nação.
Apesar de terem sido conquistados alguns avanços no texto da Lei nas últimas décadas, principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, ainda temos muito que avançar para interculturalizar a sociedade brasileira, pois de adianta nada os indígenas serem interculturais, precisamos de uma sociedade interculturalizada com Letramentos Indígenas. Na esteira desses avanços legais, em 2008 é promulgada a Lei Federal 11.645 que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e culturas indígenas, transversalmente no currículo, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio.
Diante desse contexto, é necessário, cada vez mais, a produção de subsídios didáticos e epistemológicos aos professores e profissionais da educação, contribuindo para minimizar as ações produzidas pelo racismo e discriminações aos povos indígenas nos espaços educacionais ao longo da história da educação brasileira. Combatendo a forma folclorizada que os indígenas vêm sendo representados nos livros didáticos. Na crítica desse modelo colonial imposto. A resistência indígena precisa de aliados da sociedade brasileira, acreditamos que a educação desempenha um papel fundamental nesse processo.
MEMÓRIAS GUARDADAS
Libério Uiagumeareu
Indigena Boe (Bororo)
Mestre em Direito pela UFMT, Especialista em Direitos Humanos pela UFPA.
Para os povos indígenas a memória é a guardiã do fortalecimento identitário de uma sociedade, o fragmento que armazena a informação de um povo que são entregues e repassados, de geração em geração, sendo indispensável e prestigioso o falar, o observar e o ouvir.
Para o povo Boe os rituais fúnebres são muito importantes para a cultura, ali é onde nos depedem dos entes e se faz rito de passagem dos meninos para jovens. São meses sequenciais de atos importantes para esses fins.
Em um convite a imaginar os registros memoriais de uma reunião familiar Boe em frente ao BAI (casa), todos sentados em uma esteira, ao lado de uma fogueira acesa, com céu acompanhado do grande e eterno “irmão ingênuo” o ARI (lua ) , anciã ou o ancião da família inicia sempre com a palavra “MARIGUDU” (antigamente) e logo discorda dos contos sobre o povo, seus sofrimentos, suas lutas, sua origem e suas aventuras.
Na aldeia alguns passos logo a frente, existe o BAITO (a casa central), estão em rituais os anciões e anciãs almejando intensamente ensinando seus escolhidos, os seus sucessores, esses aprendizes não dispõe de repetições ensaios, para aprender é em um único registro, não é hoje! Agora!
De modo individualizado, onde um jovem ruborizado em um cantinho do BAITO, instigado a aprender ouve atentamente um ROIA (canto), e canta envergonhada ainda que com erros e perdendo até por vezes o ritmo, são seus primeiros passos de registros de memórias de seu povo.
Se retirando da casa central, logo ao seu lado, a oeste o BORORO (pátio de rituais), em reuniões de anciões no anoitecer que orgulha dos seus jovens após efetivarem um lindo ritual conversam com eles e registram os BAKARU (histórias que fundamentam) que registraram em sua infância ou juventude, de como foi, como é, como deve ser o mundo BOE.
O momento único se estende para o aprendizado de uma dança, um ritual, uma pintura dos clãs e sub clãs… Dispondo da certeza de que a concentração e dedicação serão os guias do resultado positivo em seu aprendizado.
Como adquirir o conhecimento das ervas se não for com uma experiência familiar? Para o povo Boe os conhecedores de ervas são pessoas do próprio subclã que cuidam do povo BOE com essas ervas. Andando na mata ao observar o momento ideal toma a mão de um jovem ou uma jovem e mostra uma planta que te salva do enfermo ou que intoxica, ou ainda que se usa em rituais para proteção e diz: “observe bem e nunca se esqueça desta planta“
As formas de se guardar como memórias, registrar, sempre foram a ATENÇÃO nos momentos únicos, porém, com o ingresso de novas formas de guardar memórias, traz sentimentos intensificados. Com o avanço da tecnologia não se registra apenas na mente humana, mas no âmbito virtual.
As memórias guardadas em imagens intensificam as lembranças, a saudade, a tristeza de algo que se foi e acima de tudo, fortalecem o orgulho de seu povo por estar ainda em sua resistência. De uma história marcada por intensas buscas de integração de seu povo para que não tenha importância como tal.
As memórias guardadas em áudios movem em fortalecimento do conhecimento de cantos do povo, que logo transcritas facilitam o compartilhamento e encontros para fixação, os registros em vídeos, pronto! Se completo, e logo surgindo uma agenda para refazer aquele ritual que já foi tão importante e precisa ser fortalecido, como aquele do ritual Fúnebre que foi proibido em aldeia por violência, quais seriam as razões dessas violências advindas de não indígenas? Razões essas que passaram muito longe de ser RAZÃO.
As imagens, vídeos e áudios como estes guardam memórias de um povo, mas a vivência profunda e que a leitura deles são feitas incluindo as inúmeras subjetividades humanas. E o mais sensato e exitoso para vivenciar aquele momento registrado é ser encerrado por um bom avito leitor de memórias, sentado ao seu lado em uma matança, acompanhado de uma fogueira com aquele o céu estrelado, logo ali o ARI, e iniciar com o indispensável MARIGUDU.
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